Casa Fechada - Um Contexto em Aberto, Porto Alegre (2008)
A imagem da casa em qualquer meio e linguagem é sempre uma significativa metáfora do corpo na medida em que a casa por si só -seja através de referências sobre sua estrutura interna ou externa- repercute intensamente a dimensão humana em seus contextos político-sociais. Essa é uma observação que podemos fazer diante de determinadas obras contemporâneas e que particularmente, me impressiona a tal ponto de refletir em alguns aspectos do *meu próprio trabalho realizado nos últimos anos.
Assim quando surgiu o desafio de organizar uma exposição -através do incentivo e apoio de Carlos Gallo, dirigente da Galeria Gestual em Porto Alegre- imediatamente lembrei-me de alguns artistas que a meu ver, elaboram essa proposição Casa&Corpo, cada um ao seu modo e que, com os quais, poderia me juntar espontaneamente em torno de um determinado projeto. Klinger Carvalho, Marcelo Gobatto, Luciano Zanette e Gabriela Picoli, Laura Cattani e Munir Klamt (Grupo-Ío) são esses artistas que representam uma pequena amostragem de um vasto universo que produz obras nesse sentido -considerando que não somente aqui, mas no mundo todo e através dos tempos, essas idéias são percebidas e desenvolvidas.
Lygia Clark por ex., há **quarenta anos atrás, com sua obra ***A Casa é o Corpo (1968) já ponderava o espaço circundante (casa) e o nosso organismo (corpo) como elementos de uma simbólica engrenagem. Não obstante, há tanto tempo atrás, Lygia Clark, juntamente com Hélio Oiticica, se dedicava a experimentações centradas no corpo, as quais originalmente também se encontravam impregnadas de conceitos da Fenomenologia e de ****noções de arquitetura; noções essas que não se resumiam à sua materialidade ou constituição física. Para Clark e Oiticica, o espaço vivencial da "casa" era o veículo para a experiência do corpo. Deste modo, em suas respectivas obras e em diversos escritos, ambos deixaram um importante legado sobre a idéia da pele (corpo) estar em fusão com o ambiente circundante (casa) nos sentidos sócio-culturais, econômicos e tecnológicos -uma herança importante para a Arte Contemporânea Brasileira. Tanto a Capa-clothing de Oiticica como A Casa é o Corpo de Clark reforçam esses conceitos e podem ser consideradas como as primeiras grandes inserções do pensamento Casa&Corpo dentro das manifestações conceituais de Arte no Brasil. Atualmente podemos apontar Adriana Varejão como uma das mais importantes artistas brasileiras contemporâneas que reflete a força desses conceitos em diferentes fluxos de pensamentos visuais. Suas telas que simulam paredes de azulejos deixando entrever o reboco da parede como sendo constituído de carne e sangue trazem uma forte referência de Casa&Corpo. Doris Salcedo, artista colombiana é um outro significativo exemplo; ela usa roupas e objetos domésticos para falar silenciosamente sobre a condição de aniquilamento e violência em seu país. Nas instalações de Salcedo, os móveis da casa refletem a agressão sofrida pelo corpo individual e coletivo.
Assim quando surgiu o desafio de organizar uma exposição -através do incentivo e apoio de Carlos Gallo, dirigente da Galeria Gestual em Porto Alegre- imediatamente lembrei-me de alguns artistas que a meu ver, elaboram essa proposição Casa&Corpo, cada um ao seu modo e que, com os quais, poderia me juntar espontaneamente em torno de um determinado projeto. Klinger Carvalho, Marcelo Gobatto, Luciano Zanette e Gabriela Picoli, Laura Cattani e Munir Klamt (Grupo-Ío) são esses artistas que representam uma pequena amostragem de um vasto universo que produz obras nesse sentido -considerando que não somente aqui, mas no mundo todo e através dos tempos, essas idéias são percebidas e desenvolvidas.
Lygia Clark por ex., há **quarenta anos atrás, com sua obra ***A Casa é o Corpo (1968) já ponderava o espaço circundante (casa) e o nosso organismo (corpo) como elementos de uma simbólica engrenagem. Não obstante, há tanto tempo atrás, Lygia Clark, juntamente com Hélio Oiticica, se dedicava a experimentações centradas no corpo, as quais originalmente também se encontravam impregnadas de conceitos da Fenomenologia e de ****noções de arquitetura; noções essas que não se resumiam à sua materialidade ou constituição física. Para Clark e Oiticica, o espaço vivencial da "casa" era o veículo para a experiência do corpo. Deste modo, em suas respectivas obras e em diversos escritos, ambos deixaram um importante legado sobre a idéia da pele (corpo) estar em fusão com o ambiente circundante (casa) nos sentidos sócio-culturais, econômicos e tecnológicos -uma herança importante para a Arte Contemporânea Brasileira. Tanto a Capa-clothing de Oiticica como A Casa é o Corpo de Clark reforçam esses conceitos e podem ser consideradas como as primeiras grandes inserções do pensamento Casa&Corpo dentro das manifestações conceituais de Arte no Brasil. Atualmente podemos apontar Adriana Varejão como uma das mais importantes artistas brasileiras contemporâneas que reflete a força desses conceitos em diferentes fluxos de pensamentos visuais. Suas telas que simulam paredes de azulejos deixando entrever o reboco da parede como sendo constituído de carne e sangue trazem uma forte referência de Casa&Corpo. Doris Salcedo, artista colombiana é um outro significativo exemplo; ela usa roupas e objetos domésticos para falar silenciosamente sobre a condição de aniquilamento e violência em seu país. Nas instalações de Salcedo, os móveis da casa refletem a agressão sofrida pelo corpo individual e coletivo.
Com certeza, a casa é tão amplamente explorada como extensão do corpo, tanto na arte contemporânea como em outras diferentes áreas do pensamento devido à evidência de sua finalidade básica: -a casa é fundamental para a sobrevivência do corpo. A casa em seu importante desígnio, é -como *****Hundertwasser sustenta em suas reflexões sobre Arquitetura e Arte- a nossa terceira pele. Sem essa terceira pele, somos como um corpo abortado e incompleto; estaremos à margem da sociedade, sem as condições ideais de sobrevivência e dignidade.
Por esse e tantos outros importantes motivos relacionados não somente à função de abrigo do corpo, a imagem da casa será sempre um campo fértil para divagações e devaneios; uma força motriz capaz de engendrar fascinantes e também, inquietantes reflexões.
O Surgimento da proposta CASA FECHADA
Quando me propus organizar essa mostra, me coloquei imediatamente fora do papel de curador(a) pois que era evidente que atuaria opostamente aos princípios profissionais dessa função que implica na capacidade de organização, produção e crítica de uma exposição de arte: desempenho esse que um(a) curador(a) assume abalizado por um projeto de pesquisa e um conjunto de ferramentas técnico-metodológico-críticas que garantem o sucesso de um evento. Quis assumir o risco de organizar uma exposição coletiva baseando-me unicamente em minhas intuições e observações e não em objetivos desenvolvidos dentro de uma investigação fundamentada em métodos. Estava inclusive, transgredindo uma regra básica de curadoria ao me inserir como artista participante da mostra; não permitindo desse modo, um apropriado e justo distanciamento da mesma. Conseqüentemente, enfrentei alguns percalços no princípio dessa minha tomada de decisão.
Primeiramente, havia a exigência de que desenvolvêssemos obras especiais a partir de peças clássicas do Teatro Universal - uma idéia congruente com uma exposição que se inseriria na programação do evento Porto Verão Alegre; um acontecimento cultural já solidificado e originado da iniciativa da classe teatral da cidade. Essa requisição inicial promoveria uma unidade à exposição a qual teria que ser resolvida em um curto período. Porém, posteriormente, em uma reunião que realizamos no início de novembro de 2007, ficou evidente a falta de tempo que teríamos para desenvolver tais propostas. Foi então que mencionei o motivo que movia a certeza dessa exposição: - nossos atuais trabalhos possuem algumas sintonias tais como o uso eventual ou, mais constante (para alguns) de móveis e outros objetos referentes ao interior de uma casa, ao mesmo tempo, que promovem reflexões sobre o corpo. A unidade contextual da exposição se instauraria assim, a partir da presença de nossos próprios trabalhos. Nesse momento, o projeto da exposição ficou estabelecido definitivamente sobre essa veracidade. Munir Klamt então, sugeriu o título CASA FECHADA.
CASA FECHADA é um termo que encerra uma forte metáfora do corpo, e batiza acertadamente a exposição. Devido às razões de nossas diferentes abordagens sobre esse tema, acrescentei um subtítulo: "Um Contexto em Aberto".
Os artistas e as obras da CASA FECHADA
- Klinger Carvalho utiliza eventualmente móveis como cadeiras e mesas rodeadas de grades metálicas; estruturas complexas que se situam entre o limite da instalação e a escultura. A estrutura em madeira que Klinger apresenta na exposição CASA FECHADA, Os Olhos de Dionísio - já em seu próprio título se refere a um corpo: por uma analogia formal, os olhos são as duas luminárias localizadas no topo da estrutura. A obra construída a partir de uma cadeira nos lembra de imediato um "corpo" - com tronco, pernas e braços. Lembremos aqui, que o móvel cadeira é um objeto que isoladamente nos remete de imediato à ausência de um corpo - portanto um objeto melancólico. Porém, na construção luminosa de Klinger esse móvel em especial, não mais representa a ausência de um corpo, e sim, a presença alegre de um, na medida em que se mostra como o núcleo de uma estrutura-corpo; o elemento constituinte de uma estrutura com identidade própria.
- Laura Cattani e Munir Klamt (Grupo-Ío) já realizaram espetáculos multimídias em que apresentaram muito especialmente, vídeos com imagens do interior de casas vazias e abandonadas. E às vezes, ruínas de casas em que eles próprios aparecem percorrendo esses espaços, como se esses fossem labirintos desconhecidos.
- Na exposição CASA FECHADA, Laura e Munir apresentam no Hall do Teatro de Câmara, a videoinstalação Quarta Parede; uma instalação que inclui um aparelho de TV mostrando imagens de diversas escadarias de casas mergulhadas em penumbra. Atrás desse aparelho de TV, e apoiada sobre uma parede, há uma escada de alumínio envolvida por galhos de árvores, até quase ao teto do ambiente. A outra instalação na CCMQ; O Galho Fumante- Fragmento, consta de uma estrutura retangular de madeira (também apoiada em uma parede) coberta por uma trama de musgo. No chão, em frente à essa estrutura, há um estilhaço de parede usado como suporte para uma fotografia - mais precisamente, uma imagem de escada em meio a uma floresta. A sugestão de casa abandonada em ambas as instalações é bastante enfática.
- Marcelo Gobatto, um videoartista que tem referenciado o Tempo e conseqüentemente, o corpo - esse implacável medidor do tempo. Dentro dessa proposta, é significativo um vídeo de Gobatto em que aparece alguém subindo uma escada (ele mesmo), imagens essas que unem a idéia de andamento de Tempo atrelada à questão casa + corpo. A participação de Marcelo Gobatto na exposição CASA FECHADA se deu com a projeção do vídeo Maria; uma seqüência de imagens que mostram o interior de uma casa detalhadamente explorada por sua câmara. O foco sobre os vários objetos e móveis de um lar parece vasculhar as marcas da história de um corpo - suas memórias afetivas, suas crenças e hábitos cotidianos.
- Luciano Zanette e Gabriela Picoli realizam instalações e esculturas que utilizam móveis eventualmente intermediados por imagens fotográficas; obras que trazem referências pungentes do corpo. Na CASA FECHADA, Luciano e Gabriela apresentam O Estado Amoroso e a Melancolia - Fragmento; uma instalação com fotografia e móveis que refletem as relações humanas. No centro da exposição, vemos duas antigas classes escolares, uma em frente à outra, exibindo imagens de mãos sobre o tampo das mesmas - de um lado, uma classe com mãos femininas; de outro, uma classe com mãos masculinas.
- E por último, a minha participação com a instalação: O Nascimento de Afrodite - Sobre a Origem e Criação; tecido de algodão tingido com argila e dobrado sobre uma banqueta de madeira; artefato oval de cerâmica e Fotografia - elementos que constroem uma metáfora sobre o surgimento da vida; a origem do corpo. Idéia que alude do mesmo modo, à criação artística. A imagem do ovo na fotografia acena simbolicamente para o sentido de nascimento no ato criador: do interior de uma forma moldada em gesso, surge à imagem de um ovo - efeito produzido por sobreposições de imagens digitais. O ovo que também pode ser considerado como uma casa fechada; uma casca-casa que guarda um corpo em gestação. A banqueta é como uma pequena mesa ou, um pequeno altar que sustenta os artefatos simbólicos de um nascimento. O pano de algodão tingido de argila é a representação da pele em sua organicidade. E a argila propriamente dita - (também dentro do pote de louça com água, sob a banqueta) - a representação da carne e sangue do corpo. Esse é um importante elemento poético da instalação já que a argila é uma referência bíblica ao surgimento da vida. Além disso, como esquecer que esse material terroso é a matéria prima utilizada na confecção do tijolo: - elemento constitutivo da estrutura de uma casa? Portanto, as referências de Casa&Corpo, nessa instalação, são ancestrais.
CASA FECHADA e seus desdobramentos
A exposição CASA FECHADA - Um Contexto em Aberto possibilitou outros desdobramentos de sua proposta inicial em direção a futuras exposições com o mesmo grupo de artistas, em Porto Alegre. Duas outras exposições ocorrerão paralelamente em junho próximo; uma na Galeria Gestual e outra, na Galeria do DMAE. Ambas terão o título CASA - CORPO.
Dione Veiga Vieira - Fevereiro de 2008.
Dione Veiga Vieira - Fevereiro de 2008.
Notas
*Desde 1992, tenho produzido obras que são representativas do corpo em sua organicidade e vulnerabilidade. As quatro instalações a partir de Primal (2001) foram construídas em torno de uma mesma metáfora: a do corpo, sua efemeridade, identidade, ausência e vestígios. A intervenção O Corpo Invisível, (2002) por ex., estabeleceu analogias complexas nesse sentido ao reverenciar o próprio prédio da igrejinha e o seu interior (onde a intervenção aconteceu), reforçando assim, a simbologia de Casa & Corpo: uma proposta que passei a desenvolver nas instalações posteriores, intercalando móveis, roupas, objetos do cotidiano com o uso da fotografia.
**Não resisto em ressaltar que inclusive há 40 anos atrás, enquanto que a maioria dos artistas brasileiros estava muitíssima preocupada com a brasilidade de suas obras, alimentando o folclore nacional com imagens de araras e plantas, Lygia Clark e Hélio Oiticica, com uma visão mais abrangente de Arte, encontravam-se completamente envolvidos nessas experiências artísticas e vivenciais mais audaciosas - experiências essas sensivelmente críticas em relação à situação de opressão político-social da época.
*** A Casa é o Corpo, (1968) - Um simbólico labirinto conduz, através de diversas experiências tácteis, como a perda do equilíbrio e a deformação do espaço percorrido, a um retorno à vida intra-uterina, quase uma reflexão com a ajuda da memória a respeito da realidade pré-natal.
*****Friedensreich Hundertwasser (n. 1928); artista, designer e arquiteto austríaco que desenvolveu um método de Arquitetura fundamentado em uma ética sábia: a harmonia com a natureza. Os originais conceitos da arquitetura de Hundertwasser são sustentados pela percepção das "cinco peles" do homem, a saber: a primeira pele que é o próprio tecido que protege o corpo; a segunda pele, as roupas; a terceira pele, a casa; a quarta pele, a comunidade, ou cidade que o indivíduo está inserido; e a quinta pele - a casa de todos; o Planeta Terra.
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