12 de fevereiro – despedida de um cronópio



Por Susan Blum



Como já visto no escrito anterior – as mulheres de Cortázar – Julio havia se casado com Aurora, mas não com Ugné. Apesar disso Julio nomeou Ugné co-herdeira junto com Aurora Bernárdez, deixando inclusive a casa de Saignon para ela. Em 21 de dezembro de 1981, Carol e Julio se casaram. Não porque fosse necessário, disse Julio a um amigo, mas por razões práticas. Julio acabava de sair de uma crise hemorrágica, cujo diagnóstico não chegou a conhecer, por vontade de Carol: leucemia mielítica crônica. Pelos comentários que fez a alguns amigos é provável que, ainda que desconhecesse a gravidade de sua enfermidade, tenha pensado em uma maneira de proteger Carol, não deixando-a desamparada caso lhe acontecesse algo.


Mas o azar, palavra que o próprio Cortázar definiu como: “palavra que usamos para nomear algo que não podemos definir”, quis que, após uma viagem que realizaram juntos para Nicarágua, em agosto de 1982, retornassem a Paris por causa de uma Carol doente. Uma enfermidade misteriosa (talvez contraída durante uma das viagens por países com condições de higiene precárias) fez Carol ser internada, no início de setembro, no serviço de hematologia do hospital Saint Louis, para tratar de uma virose que havia paralisado sua produção de leucócitos e plaquetas. Seu estado continuou grave, apesar de altos e baixos, e ela faleceu em 2 de novembro.


A dor de Cortázar foi enorme e ele escreveu para sua mãe e irmã: “Carol se me foi como um fiozinho de água entre os dedos, dia 2 desse mês. Foi docemente, como ela era e eu estive a seu lado até o fim, os dois nessa sala de hospital onde passou dois meses, no qual tudo resultou inútil”.


Em outra carta para sua mãe, em outubro de 1983, escreve: “De minha parte tenho muito trabalho mas não sairei de Paris até dezembro. Dentro de três semanas será o aniversário de morte de Carol, mas para mim segue sendo como se fosse o primeiro dia. A única maneira de me sentir um pouco melhor tem sido trabalhar em um livro que estávamos fazendo juntos (los autonautas de la cosmopista), e que sairá editado no mês que vem. Claro que o enviarei em seguida a você. Agora quero traduzir em espanhol os seus contos, que são belíssimos, e mandá-los a algum editor. Assim me dou, por momentos, a ilusão de que está a meu lado, pois a alcanço através de seus escritos e a sinto muito próxima”.


Também um poema reflete bem a sua dor:

si he de vivir sin ti, que sea duro y cruento
la sopa fría, los zapatos rotos, o que en mitad de la opulencia
se alce la rama seca de la tos, ladrándome
tu nombre deformado, las vocales de espuma y en los dedos
se me peguen las sábanas, y nada me dé paz


Cortázar continua doente mas segue com seus escritos e suas viagens. Uma delas para a Argentina, onde se surpreende com a recepção de seus leitores. As notícias de sua enfermidade foram confusas. Alguns falavam de uma doença contraída em suas viagens ao Panamá, e que ela havia atacado a ele e a Carol igualmente. Outros diziam que era AIDS, enfermidade que, na época, explicava o inexplicável. E que podia ter sido passada através de uma das suas transfusões de sangue.


Os amigos mais próximos e mais informados falaram de um diagnóstico de leucemia que Carol havia ocultado a Cortázar. Aurora se mudou para a sua casa e cozinhava para ele, cuidando de seu amigo. Poeticamente, o médico de Cortázar se chamava Modigliani e, em uma das visitas, viu esparramados sobre a cama os desenhos negros de Tomasello e lhe perguntou se estava se dedicando ao estudo das radiografias. Cortázar estava redigindo os textos que acompanhariam as dez serigrafias de relevos negros para seu livro póstumo Negro el 10.


Em seu apartamento na Rua Martel, que havia compartilhado com Carol, Cortázar recebia seus amigos. Ainda que vivesse sozinho, nunca estava só. Além da leucemia, fortes alergias e outros transtornos o abatiam. Todas as semanas visitava o hospital para submeter-se a diversos tratamentos. Em janeiro de 1984 foi internado no hospital Saint Lazare, próximo do apartamento. Conservou seu humor até o último momento.


Faleceu em 12 de fevereiro. Estavam a seu lado: Aurora e Luis Tomasello. No dia 14, pela manhã, foi levado ao cemitério de Montparnasse e o depositaram ao lado de Carol. Todos levavam uma flor e havia muitos jovens...





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