A PROJEÇÃO DO CORPO NO CONTEXTO DA OBRA

UMA REFLEXÃO A PARTIR DA INSTALAÇÃO "A CASA É O CORPO" DE LYGIA CLARK ¹


Dione Veiga Vieira


O corpo como enfoque das reflexões da obra – com exceção daquela que usa o próprio corpo como suporte – não é mais percebido unicamente por suas características basilares, e sim como parte da imensa teia de significações que a obra opera. Uma vez que o corpo, concebido no cruzamento de conceitos e processos, passa a ser compreendido – tanto na experiência artística quanto na experiência reflexiva – como algo amalgamado ao contexto da obra. O corpo, nesse nível de percepção e análise, está impregnado de um rumoroso mundo externo a ponto de confundir-se com o mesmo e permanecer na impossibilidade de uma identidade conferida apenas por suas inerentes singularidades. O corpo pertence ao espaço do mundo, com o qual nunca atinge uma estabilidade.

Freqüentemente podemos observar em certas propostas de arte que o corpo físico se faz entrever fragmentado, desconstruído, ou distorcido, e assim, (e apesar disso) facilmente identificável. Porém em outras, o corpo encontra-se tão pulverizado em múltiplas referências – sociais, históricas, políticas, científicas, metafísicas, etc. – que não há qualquer elemento identificador de sua organicidade. Em todas essas abordagens, há sempre uma idéia de prolongamento do corpo – o corpo individual está expandido em seus desdobramentos conceituais e, ao mesmo tempo, na acepção plástica da obra.


Casa e corpo – uma engrenagem simbólica

Há exatamente quarenta anos atrás, Lygia Clark (1920-1988) apresentou, duas vezes, e no mesmo ano, a instalação "A Casa é o Corpo", obra de fundamental importância para a história da arte brasileira: pela primeira vez, no MAM-RJ e posteriormente, na Bienal de Veneza, quando expôs em sala especial, toda a sua trajetória artística até aquele momento, em 1968.

"A Casa é o Corpo" se constituía de um grande balão plástico situado no centro de uma estrutura formada por dois compartimentos laterais e um labirinto de 8 metros de comprimento – uma obra-ambiente concebida "para ser penetrada pelo visitante como abrigo poético" (MILLIET, Maria Alice. 1992. p.111)

A palavra "abrigo" proclama a função primordial da casa: a de abrigar o corpo. Nesse caso, a casa-obra de Clark é basicamente um espaço que "acolhe" o público para a revivência intra-uterina. A obra-casa é um corpo fecundo – um imenso útero; um espaço-continente. O título da instalação aponta essa determinada compreensão, porém, por si só, evoca outros imprecisos sentidos, os quais, inevitavelmente, repercutirão em inexauríveis leituras.



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