Pioneiro da videoarte, Gary Hill expõe obras no Rio

SILAS MARTÍ
da Folha de S.Paulo

Veste camisa havaiana e chinelo de dedo o homem que promete desacelerar o tempo. Mas no lugar da calma, Gary Hill entrega a vertigem, eleva a língua a mil por hora, anfetamínica. Seus vídeos expostos no Oi Futuro, no Rio, convulsionam o olhar, picotam texto e imagem em raios de luz e ruído sonoro. À primeira vista, uma fraude.

"Faço trabalhos que desaceleram o mundo, há um sentido de retorno, de volta ao básico", resume Hill, 58, norte-americano que está entre os pioneiros da videoarte, vencedor do Leão de Ouro em Veneza. "São impulsos, sensações, coisas que acontecem sem necessidade de construir algo em torno delas."

Mas se ele não constrói, o público preenche as lacunas. Em "Accordions", instalação com cinco projeções simultâneas, os impulsos são frames desconexos de trabalhadores nas ruas de Marselha. Acompanha um zunido digital, frases soltas.

Quem passa algum tempo na sala percebe, depois, que é uma tomada contínua, que pula de uma projeção a outra. Hill consegue desacelerar a noção de tempo ao forçar a busca por significado em cada fração de segundo. É o tempo do espectador que se dilata diante da obra. "Me aproximo do tempo como algo escultural", diz Hill.

Tecnologia nua

Na obra que torna isso mais óbvio, "Wall Piece", o artista declama um poema enquanto se joga contra uma parede. A métrica é a sucessão de choques, pontuados por uma luz estroboscópica instalada na sala escura --afeta o equilíbrio e parece engolir o espectador. É quase nu o expediente. Não há truques, e o texto ininteligível entre as pancadas aparece transcrito na parede.

Tudo dentro dessa lógica de retorno ao básico defendida por Hill. "A tecnologia é algo contra o que eu costumo me debater, me permite encontrar limites", diz. "Rejeito o espetáculo para mostrar o néctar da ideia, sem nenhum acolchoado técnico, a sequência nua de estímulos." E sem roupas, mostra o embate entre o corpo e os limites difusos de uma sala escura.

"Up Against Down" são projeções das mãos e pernas do artista empurrando contra paredes falsas, talvez esse acolchoado técnico que ele rejeita. Uma trilha de graves dá tensão tétrica ao contorcionismo digital. "Para baixo, é entropia e morte; para cima, é a criação estética, meu posicionamento", diz Hill.

"Estou batendo de frente com aquilo, um cruzamento entre vida e morte". E do espaço até aqui morto entre antagônicos silêncio e grito, Hill tenta extrair uma espécie de forma bruta da linguagem, antes de ser lapidada pela fala.

"Language Willing" mostra duas mãos que giram discos floridos ao som de pré-palavras, fonemas que não se encaixam. São extensão das mãos paradas, inúteis, dos trabalhadores em "Viewer". Desocupados, encaram o espectador ao longo de uma parede de 14 metros. Dão peso retórico ao silêncio da sala, no momento antes de pegar nas ferramentas, antes que seja pronunciada a ordem.

GARY HILL
Quando: de ter. a dom., 11h às 20h
Onde: Oi Futuro (r. Dois de Dezembro, 63, Rio, tel. 0/xx/21/3131-3060)
Quanto: entrada franca

http://www1.folha.uol.com.br/folha/ilustrada/ult90u597924.shtml

Comentarios

Entradas populares